Nos últimos anos, temos assistido a uma escalada da violência no Brasil, especialmente impulsionada pela atuação de facções criminosas que dominam territórios e impõem suas próprias regras. O caso recente de Fortaleza, no Ceará, em que três acusados de um crime brutal foram soltos por decisão judicial, levanta questionamentos profundos sobre a maneira como o sistema de Justiça lida com a criminalidade organizada.
Para entender a gravidade da situação, é preciso recapitular os fatos. Em novembro de 2022, Aurileide Gonçalves da Silva, conhecida como Neide, foi brutalmente assassinada e decapitada. O crime, segundo as investigações, foi motivado pela rivalidade entre facções criminosas. A vítima teria sido considerada inimiga pelo Comando Vermelho (CV) simplesmente por morar em uma área sob domínio da facção rival, Guardiões do Estado (GDE), onde vivia sua filha. Essa simples ligação foi suficiente para que sua execução fosse decretada.
Os detalhes do crime são estarrecedores. Aurileide foi atraída para uma emboscada por um dos acusados, que usou uma armadilha conhecida no mundo do crime como “cheiro do queijo”. Ao acessar o celular da vítima, os criminosos encontraram fotos de familiares fazendo gestos que interpretaram como alusivos à facção rival. A partir desse momento, decidiram pela execução. O corpo de Aurileide foi descartado de forma cruel, com sua cabeça separada do corpo e jogada na Praia da Vila do Mar, no bairro Pirambu.
Apesar da brutalidade do crime e das evidências levantadas pelo Ministério Público, a Justiça decidiu revogar as prisões preventivas de Yuri Marques Nogueira, Francisca Glaucimara Cardozo da Silva e Jadeline Silva. Os argumentos utilizados para a decisão geram perplexidade. A 2ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza afirmou que “em relação ao risco à ordem pública, em que pese a gravidade dos crimes imputados, não há, neste momento, elementos contemporâneos que demonstrem que eventual liberdade dos acusados causaria risco à ordem pública”.
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Mas a pergunta que fica é: como um crime dessa magnitude não representa uma ameaça à ordem pública? Que tipo de “elementos contemporâneos” são necessários para justificar a manutenção da prisão preventiva? Se a própria investigação já apontou que a motivação do crime foi a guerra entre facções, não é razoável supor que a soltura dos acusados possa reforçar essa dinâmica de violência?
Os três denunciados agora estão livres, ainda que com medidas cautelares. Eles deverão usar tornozeleiras eletrônicas, comparecer à Central de Alternativas Penais mensalmente e estão proibidos de frequentar locais com consumo de bebidas alcoólicas ou substâncias entorpecentes. Também não podem sair da Comarca de Fortaleza por mais de oito dias sem informação prévia. Mas essas restrições são suficientes para garantir que não voltarão a cometer crimes? Alguém realmente acredita que facções criminosas respeitam tornozeleiras eletrônicas?
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A decisão do Judiciário acende um alerta preocupante. A criminalidade organizada tem se fortalecido justamente pela percepção de impunidade. A sociedade, cada vez mais refém da violência, precisa confiar que o sistema de Justiça será firme no combate ao crime. No entanto, quando casos como esse ocorrem, a mensagem transmitida é exatamente o contrário: a de que, mesmo diante de crimes chocantes, há espaço para relativização da punição.
A Justiça não pode perder de vista que sua principal função é proteger a sociedade. A liberdade dos três acusados abre um precedente perigoso e levanta um questionamento essencial: até que ponto estamos priorizando o garantismo jurídico em detrimento da segurança coletiva? Se nem um crime tão brutal é suficiente para justificar a manutenção da prisão, o que mais será necessário?
O Brasil precisa urgentemente repensar sua postura diante da violência. Não podemos continuar aceitando que a impunidade seja a regra. A sociedade merece respostas claras e, acima de tudo, justiça de verdade.